"Não conhecia a vida, estivera trancada durante cinco meses,

Em um palco de falsas encenações, figurantes. Um eterno monólogo. Espelhos e só. Via a imagem refletida de um corpo não amado, ou mal amado. Qualquer estrada seria distante, mesmo que estivesse em sua frente. Seus pés sentiam falta de qualquer terra molhada, ou do deslize inevitável da chuva no asfalto. Cortinas nas janelas, e olhares escondidos. Só sabia abrir os livros e descobrir um mundo que nunca existiu. O perfume das flores esfacelara-se no ar, rasgando a brisa e partindo para bem longe. O toque da campainha era ignorado todos os dias, e as cartas acumuladas debaixo do tapete confundiam-se em meio à tanta poeira. Seria uma história comum, em que meninas-fantasma se isolam por não desejarem mais viver. Mas trata-se, na verdade, de um aprisionamento. Por trás de toda a meiguice e contemplação de um único rosto, aquela menina, prendia ali, em um porão rodeado de brinquedos, vestidos de noiva e paletós, o amor que sentira tão intenso, mas sufocado por 40 mil pés (traduz-se em distância). Ter que partir e interromper momentos de extrema felicidade deixa de herança a angústia e os pedaços do coração. Pensar bem antes de pegar o último voo e buscar um sonho em uma nuvem. O amor não espera, o amor não pode esperar. E se ele não puder pegar o mesmo voo que você? O que é que vale mais? Permanecer e ter a mínima certeza apenas do Agora ou rolar por céus e estradas na tentativa de projetos para sorrisos futuros? Não aprisione-se, nem decida-se. Meio, metade, tudo. Esse é o lugar em que optar por metade dos objetivos é garanti-los por inteiro. Por isso eu viajo, mas não pego aviões. Caminho de mãos dadas com os pés bem firmes e deixo para trás as casas e porões. Não criamos laços, mas não soltamos as mãos. Não somos nada, mas imaginamos ser. O que é que você significa para mim? Exatamente o que eu gostaria de ser para você. A companhia contínua e legítima. A oficialidade que nunca vem, e que talvez não exista para você. A saudade a toda hora, a vontade de saber o que faz a cada momento longe de mim. O desejo incontrolável de ter você bem perto, só para dar carinho. Apaixonar-se é viver em dependência. Por isso eu me declaro, eu me declaro parte da sua vida. Não existo por mim, mas pelo controle que exerce dos fios de cabelo aos dedos dos pés do meu corpo. É muito maior que um amor que passa com a estação, é permanente e busca levar para o lugar que quero ir. E quero ir ao infinito, para te olhar encantada, para te ver sorrindo."